“Nós não enfrentamos um adversário, nós não enfrentamos um candidato. Nós enfrentamos a máquina do Estado brasileiro colocada a serviço do candidato da situação para tentar evitar que nós ganhássemos as eleições.” (Lula, em declaração antes da leitura de seu discurso de vitória, 30 out. 2022)
Lula foi eleito em 30 de outubro com mais de 60 milhões de votos, equivalente a 50,9 % dos votos válidos, pouco mais de dois milhões de votos à frente do ocupante do Palácio do Planalto. A margem estreita de vitória, equivalente a pouco menos de 2% dos votos válidos, pode dar a impressão de que foi uma vitória pequena. Na verdade, tratou-se de uma vitória espetacular, contra uma máquina eleitoral que cometeu os maiores abusos do poder econômico, político e religioso dos últimos 40 anos, talvez de toda a história da República brasileira.
O abuso do poder político foi alimentado pelos R$ 41 bilhões da PEC Emergencial, aprovada em meados de 2022, acrescidos dos outros bilhões do Orçamento Secreto, que se transformaram na maior concessão de auxílios sociais e em uma das maiores séries de obras públicas em período eleitoral da nossa história. Some-se a isto o uso da máquina estatal em eventos que se transformaram, ilegalmente, em atos de campanha, como o próprio Sete de Setembro, além de reuniões públicas de apoiadores e apoiadoras nos palácios presidenciais. A última página dessa série de abusos eleitorais foi o uso da Polícia Rodoviária Federal, bem como a mobilização dos apoiadores do presidente nas Polícias Militares, para retardar ou impedir a chegada dos eleitores e eleitoras de Lula a seus locais de votação, especialmente no Nordeste, em pleno 30 de outubro.
O abuso do poder econômico veio por meio da ofensiva empresarial, que cresceu estupidamente no segundo turno das eleições. Além das doações legais de campanha, que superaram muito as recebidas por Lula, suspeita-se que o dinheiro dos super-ricos financiou desde o início a indústria profissional de fake news, extremamente dinamizada na última etapa da disputa eleitoral. Some-se a isso o escandaloso retorno em larga escala do assédio eleitoral, reedição em tiragem ampliada do tradicional voto de cabresto, com vários empresários ameaçando de demissão os funcionários e funcionárias lulistas ou prometendo bonificação àqueles e àquelas que mudassem seu voto para Bolsonaro.
O abuso do poder religioso, marca destas eleições, veio por meio de líderes religiosos, majoritariamente evangélicos, que buscaram transformar o presidente violento, boquirroto, incompetente, admirador de ditadores e torturadores, em um enviado de Deus, um novo Messias. Em paralelo, contra Lula, o PT e toda a esquerda em geral foram disparadas as velhas acusações, potencializadas nessa campanha eleitoral, de associação ao mal, ao demônio, à imoralidade e à perseguição aos cristãos e cristãs. A disputa eleitoral foi tratada por esses mercadores da fé como uma “guerra espiritual”, uma guerra santa na qual a própria salvação da alma dos brasileiros e brasileiras estaria em jogo.
Contra todos esses abusos, toda essa máquina sórdida de produção de mentiras, ameaças, mensagens de ódio e sermões criadores de pânico, Lula triunfou no segundo turno. O quanto desta vitória se deveu ao reconhecimento social e admiração popular pela figura do candidato, à frente amplíssima e interclassista formada em torno da sua liderança ou ao imenso leque de erros cometidos pela campanha governista é questão a ser debatida nos meses, anos, décadas que virão. Todos esses fatores, em menor ou maior grau, concorreram para a vitória. Mas nunca devemos deixar de lado a enorme capacidade de resistência do povo brasileiro, encontrada nas cidadãs e cidadãos que resistiram ao assédio de patrões ou líderes religiosos, que contornaram as intimidações de milicianos ou nazifascistas raivosos, que caminharam quilômetros para votar quando seus meios de transporte foram barrados pela PRF, que mobilizaram sua aldeia indígena ou seu quilombo para derrotar o genocida. Não podemos esquecer daquelas e daqueles que superaram o medo difundido pelos neofascistas e, principalmente no segundo turno, engajaram-se na campanha pela eleição do candidato de origem sertaneja e operária.
Com o genocida derrotado nas urnas, nossa luta não terminou. Em primeiro lugar, é preciso empreender uma grande campanha contra a fascistização do país. Isso começa por denunciar e exigir punição para a vasta lista de crimes cometidos pelos bolsonaristas antes, durante e mesmo após a campanha eleitoral. O futuro ex-presidente e seu círculo de colaboradores e colaboradoras não merece anistia, mas julgamento e punição por seus crimes contra a saúde pública e a vida do povo, contra a legislação eleitoral e contra a própria democracia. Precisamos nos mobilizar e nos manifestar, nas redes e nas ruas, coletivamente, como foi nossa atuação durante a campanha.
Em segundo lugar, precisamos voltar a difundir, nas redes e nas ruas, nossas bandeiras históricas de ampliação dos direitos sociais e trabalhistas, defesa da soberania nacional e de uma democracia efetivamente popular, garantidora de condições de vida igualitárias para o nosso povo. O debate que trata conjuntamente trabalho e direitos, salário e distribuição de renda, dívida pública e investimento social, empresas estatais e soberania nacional e popular, democracia e igualdade social deve tomar conta da esfera pública. Nesse sentido, deve ser potencializada a proposta do REVOGAÇO, pelo qual a população será consultada sobre a revogação de todas as medidas antipopulares tomadas desde 2016: a EC 95 do Teto dos Gasto, também conhecida como a “Emenda da Morte”, as privatizações, contrarreformas trabalhista e previdenciária, dentre outras. Também devemos dar continuidade e aprofundar a luta contra novas privatizações e a PEC 32 (contrarreforma administrativa), que representa o desmonte dos serviços públicos. Nunca saímos das ruas, mas a conjuntura nos exige atos massivos e unitários na defesa intransigente de nossas bandeiras históricas e do estado democrático de direitos, reafirmando ” Ditadura Nunca Mais! Não aceitamos manifestações de caráter golpistas que visam impedir a posse de Lula e estaremos nas lutas unitárias contra tais manifestações antidemocráticas, sem contudo abrir mão da nossa posição de independência em relação ao governo Lula.
Essas são as nossas tarefas a partir de hoje e pelos próximos anos. Não são desafios fáceis nem pequenos, mas a imensa vitória eleitoral conquistada por nosso povo, pelo conjunto das trabalhadoras e dos trabalhadores de nosso país, deve nos animar a avançar na luta contra a extrema direita e o neoliberalismo, rumo à vitória final do povo trabalhador.
Liberdade e Revolução Popular
14/11/2022