O racismo estrutural se reafirma e se fortalece, alimentado pelo avanço do neofascismo que se apoderou do Estado e instituições brasileiras nos últimos anos. Ampliando a natureza predatória e exploratória do capitalismo brasileiro, estimula-se o extermínio dos povos negros e indígenas, desmascarando o mito da democracia racial, algo já contestado pelo Movimento Negro há décadas.
A violência institucional amplia-se cotidianamente e a interpessoal nunca alcançou níveis como o dos últimos tempos, com a certeza da impunidade. É a partir da certeza da impunidade, que fomos surpreendidos com o bárbaro e covarde assassinato de Moïse Mugenyi Kabagambe, um jovem imigrante congolês, perpetrado na noite da segunda-feira, 24 de janeiro, na Barra da Tijuca, bairro dos novos ricos do Rio de Janeiro, com explicito requinte de crueldade.
Moïse, com 24 anos de idade, era um refugiado da República Democrática do Congo. Havia chegado ao Brasil em 2014, junto com outros familiares, fugindo da violência em sua terra natal, legado de uma das maiores guerras já registradas. A vida de Moïse foi, portanto, afetada desde cedo pelas consequências do imperialismo europeu em seu país natal. Um dos exemplos mais brutais de exploração colonial na história, o Congo Belga era rico em recursos minerais, extraídos com base no trabalho compulsório de sua população, submetida à violência e ao extermínio sistemático. Após sua independência, a República Democrática do Congo continuou a sofrer interferência das potências imperialistas, que não queriam perder o acesso à enorme riqueza natural do país e, por isso, articularam o sequestro e o assassinato do líder nacionalista Patrice Lumumba. O país continua a ser um dos mais ricos em recursos minerais do mundo, mas a exploração dessa riqueza não beneficia sua população, que é uma das mais pobres do planeta.
O ex-patrão de Moïse, concessionário de um quiosque na orla da Barra da Tijuca, é suspeito de ter ligações ou mesmo compor a milícia do Rio de Janeiro e de ter outras dívidas trabalhistas. Este teria sido o motivo que levou Moïse a procurá-lo, caracterizando, assim, o fato de que se trata de um trabalhador que foi assassinado quando procurou seus direitos trabalhistas.
A embaixada do Congo já apresentou cobrança às instituições brasileiras, sendo este o quinto caso de imigrantes congoleses assassinados, caracterizando não apenas o conteúdo racista de tais crimes como também xenófobo. Além disso, o crime brutal chama a atenção para a crueldade das relações trabalhistas no Brasil, em que a ação de um trabalhador negro no sentido de reivindicar seus direitos pode levar ao assassinato, com métodos de execução herdados e mantidos desde o período em que a escravidão era legalizada no país. Desmascara-se a falácia da “livre negociação” entre patrão e empregado, propalada pelos defensores da destruição dos direitos trabalhistas. Além da desigualdade de poder entre patrão e empregado, característica de todas as sociedades capitalistas, soma-se o caráter de banditismo mais ou menos dissimulado do capitalismo brasileiro, onde empresários podem lançar mão de funcionários e aparatos privados de violência para intimidar, ameaçar e mesmo executar aqueles e aquelas que “atrapalham” os seus negócios.
Por fim, o racismo estrutural não seria possível sem os aparatos do Estado, que perpetuam as práticas racistas não só por sua atuação nitidamente discriminatória (abordagens abusivas, execuções extrajudiciais, encarceramento em massa), mas também por sua omissão. No caso de Moïse, as autoridades policiais só começaram a se mover no sentido de apresentar respostas ao crime após o fato viralizar e provocar comoção nas redes sociais. Ou seja, antes da sociedade se manifestar e exigir justiça, caminhava-se para a situação, não incomum em casos semelhantes, em que o Estado, por omissão, chancela a atuação dos aparatos privados de violência. A violência racial e de classe conta, assim, com a cobertura estatal.
A LRP se soma às diversas organizações sociais negras e parceiras na solidariedade aos familiares do jovem e na LUTA POR JUSTIÇA PARA MOÏSE!!!
Vidas Negras importam. Todos aos atos no próximo sábado, 05 de fevereiro.