Por Lujan Maria Bacelar de Miranda*
Gesa Linhares Correa (revisão) **
Marlon Ludovico (ilustrações)
No dia 8 de março de 2016 escrevi um texto intitulado “Mulher e Dívida Pública: Derruba o Veto!”. À época a presidenta Dilma tinha vetado a realização da Auditoria da Dívida Pública e a ACD (Auditoria Cidadã da Dívida) estava em campanha para que os/as parlamentares derrubassem o veto.
O nosso esforço não foi em vão!
Demos maior visibilidade à questão da dívida pública, ampliamos o debate e denunciamos o conjunto de ilegalidades e ilegitimidades por trás dessa dívida, que já ultrapassa os 06 trilhões (dívida interna – mais de 5 trilhões de reais em 2016 e dívida externa mais de 550 bilhões de dólares em 2017, conforme dados da ACD). Uma dívida ilegal, imoral, odiosa, que até hoje não foi analisada, mesmo com a determinação da Constituição Federal de 1988 de que deveria ser feita a auditoria no prazo de 01 ano.
Essa forma de endividamento sem contrapartida (a dívida só cresce, os prejuízos são enormes e não se recebe nada em troca) faz parte do Sistema da Dívida, que beneficia um pequeno número de famílias donas das 147 superempresas que dominam o mundo (veja estudo suíço em: thoth3126.com.br).
À época, também, o ajuste fiscal tinha iniciado com as medidas provisórias MP 664 e 665, aprovadas em dezembro de 2014, sob o comando da presidenta Dilma e do ministro da fazenda, Joaquim Levy, ex-diretor-geral e ex-diretor financeiro do Banco Mundial.
Temer amplia, aprofunda e acelera o ajuste fiscal iniciado por Dilma em 2014
Inicialmente, uma breve explicação!
Do ponto de vista da teoria, do conhecimento, ajuste fiscal é o conjunto de medidas adotadas pelo governo para equilibrar o orçamento público, que define as ações prioritárias onde o dinheiro arrecadado da população será aplicado.
Do ponto de vista prático, dos reais objetivos do governo, dos banqueiros, da grande imprensa, a preocupação não é com equilíbrio das contas e gastos públicos. Se fosse essa a preocupação, a primeira coisa que fariam era a auditoria da dívida pública para saber que dívida é essa, por quem foi feita, a quem ela beneficia e por que quanto mais se paga, mais ela cresce.
Mais ou menos a metade de tudo que é gasto pelo governo vai para os banqueiros, para pagamento de juros e “amortização” dessa dívida.
Na página do Ministério do Planejamento, em 09/10/2015 se lia “o Senado Federal aprovou, na noite desta quinta-feira (27), as Medidas Provisórias 664 e 665 que atualizam a legislação trabalhista e previdenciária e que são importantes para que o governo alcance a meta do superávit primário de R$ 55,3 bilhões este ano e consiga realizar o ajuste fiscal”.
Ou seja, para fazer superávit primário (economia forçada para pagar essa dívida ilegal) e facilitar o ajuste fiscal (cassação de direitos) a presidenta Dilma editou duas medidas provisórias, que foram aprovadas na Câmara dos Deputados e no Senado, atacando os direitos trabalhistas e previdenciários de quem mais necessita. Essas medidas provisórias atingiram em cheio, o abono salarial, seguro-desemprego, pensão por morte e auxílio-doença, penalizando quem ganha menos ou está desempregado.
E como se não bastasse, em janeiro de 2015 a presidenta Dilma sancionou a lei federal 13.097/15, que coloca a saúde nas mãos do capital estrangeiro. E em 22 de março de 2016 apresentou o PLP 257/2016 (Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal, negociado com os governadores, que abriu as portas para a Emenda Constitucional 95/2016). Vale lembrar que, 04 dias antes, a presidenta havia sancionado a Lei Antiterrorismo 13.260/2016.
Dessa forma, estavam dadas as condições para a destruição total do que restava de direitos!
Vale lembrar, também, que nada disso foi feito sem que houvesse reação e luta! Luta, inclusive, contra o Governo Lula, que ao assumir fez aprovar a Reforma da Previdência e deu continuidade à política de FHC, as quais assumem força de destruição total com Temer, vice-presidente no Governo Dilma.
Faço essa breve retrospectiva para chamar a atenção para o fato de que os ataques brutais que sofremos hoje têm raízes rasas (últimas décadas), raízes médias e raízes profundas, que remontam ao genocídio dos povos originários e à escravização do povo africano e afrodescendente, cujo prolongamento e efeitos são sentidos até hoje. Efeitos que impactam de forma brutal, especialmente, a vida das mulheres e de seus filhos e filhas, sobretudo, negros, negras e indígenas.
Ajuste fiscal: Ataque brutal sobre a população brasileira, em especial sobre as mulheres pobres, negras, indígenas, jovens e idosas.
A Emenda Constitucional, EC 95/2016, visa a destruição dos serviços públicos e das políticas públicas, ao congelar por 20 anos os gastos e investimentos sociais. Ou seja, além do desemprego e arrocho salarial, o que se vislumbra é uma piora das condições dos serviços públicos de saúde, educação, segurança, previdência e assistência social, já drasticamente precarizadas. É a consolidação do processo de privatização da educação, saúde, previdência e segurança públicas e o fim da assistência social. O objetivo é privatizar tudo, empurrando as pessoas para planos de saúde, escolas e segurança privadas, que só visam lucro.
Em que consiste a reforma trabalhista?
Na destruição total dos direitos que restavam na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na própria Constituição Federal. De uma só vez foram alterados mais de 100 artigos da CLT, a qual já tinha sofrido mais de 500 alterações ao longo de sua existência.
De acordo com a lei 13.467/2017, que entrou em vigor em novembro de 2017, os direitos de quem trabalha estão nas mãos do patrão, que pode negociá-los diretamente com os trabalhadores e trabalhadoras sem necessidade de respeitar as leis. O negociado está acima do legislado, ou seja, a vontade e determinação do patrão valerão mais do que as leis do país. Portanto, mais do que nunca, necessitamos de organização, mobilização e luta! Necessitamos, também, buscar as brechas da lei, regras que foram mantidas e os princípios contidos na Constituição Federal, para se garantir os direitos arduamente conquistados.
A reforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95 impostas pelo Governo Temer farão com que milhões de trabalhadores e trabalhadoras não consigam se aposentar, pois com o desemprego e o trabalho intermitente (por horas trabalhadas) não terão tempo exigido de trabalho e de contribuição para se aposentarem. E os direitos serão proporcionais às horas trabalhadas, não crescem com o passar do tempo e o patrão não tem nenhuma responsabilidade.
Mesmo assim, insistem na reforma da previdência, para acabar não só com a aposentadoria, mas com a seguridade social (saúde, previdência e assistência social). Relembro! A CPI da Previdência no Senado, realizada em 2017, comprovou que ao invés de dar prejuízo, sobra dinheiro na previdência social.
Os impactos da Emenda Constitucional 95 e da lei da reforma trabalhista serão enormes e muito negativos para as mulheres, pois de um modo geral, somos as primeiras a serem demitidas e a maioria incluída no trabalho precarizado. Situação que se agravará ainda mais com a piora dos serviços públicos e com a falta de políticas sociais.
E o que o PLP 459/2017 (ex-PLS 204/2016) tem a ver com isso? Qual o seu efeito sobre a vida das mulheres?
Inicialmente relembro que a Emenda Constitucional 95/2016, que congela por 20 anos os gastos e investimentos nos serviços públicos e políticas sociais e que força os governos estaduais e municipais a privatizarem, ou seja, entregarem o que resta de patrimônio público, como empresas estatais lucrativas de água, energia, dentre outras, destina dinheiro para o esquema fraudulento que eles querem legalizar com esse projeto.
Esse esquema, que está proliferando que nem praga no Brasil, é igual ao que atingiu os Estados Unidos e a Europa, e quebrou a Grécia. É muito nefasto para as mulheres, pois sequestra o dinheiro público no momento em que ele cai na rede bancária (não chega nem aos cofres públicos) e isso significa na prática, menos creches, escolas, hospitais, mais violência e insegurança. É um esquema que penaliza a população e compromete a vida das futuras gerações.
A CPI da PBH Ativos comprovou que ele é muito prejudicial aos cofres públicos. No Rio de Janeiro, a Companhia Fluminense de Securitização, criada em 2015, já deu prejuízo de mais de 04 milhões. O Ministério Público de Contas do Rio de Janeiro entrou com ação, pois estão querendo criar mais uma empresa para operar o mesmo esquema.
Na Câmara dos Deputados e no Senado tem três projetos que visam legalizar esse esquema fraudulento de desvio do dinheiro público: PLP 459/2017 (antigo Projeto de Lei do Senado, PLS 204/2016), Projeto de Lei da Presidência, PLP 181/2015 e o Projeto de Lei, PL 3337/2015.
Como esse esquema funciona?
Os Estados e municípios criam empresas estatais não dependentes. Essas empresas funcionam como se fossem empresas privadas, sem nenhum controle por parte do governo; mas, o Estado ou município que a cria, dá garantias para os negócios feitos por elas.
Uma vez criadas, essas empresas emitem “derivativos financeiros com garantia pública”, isto é, títulos, papéis, contratos financeiros avalizados pelo Estado ou município que as criou. Esses títulos, que funcionam como se fossem cheques pré-datados são repassados para investidores privilegiados (bancos), que pagam 40% do seu valor e recebem juros de até 23%. Esses juros são cobrados não sobre o valor pago, mas sobre o valor total do título. Isto é, compra por 40 e recebe juros sobre 100.
Do valor recebido com essa “venda” a empresa repassa uma parte para o Estado ou município que a criou e fica com a outra parte. Essa operação é ilegal e consiste na geração de dívida pública de forma disfarçada, com custos elevadíssimos.
O Estado ou município perde o controle do fluxo da arrecadação e fica com dívidas altíssimas!
Esses contratos têm como base a dívida ativa (impostos, taxas, contribuições e outras dívidas) que o estado ou município têm a receber. Por isso são chamados de “contratos derivativos”, pois derivam de bens e direitos a receber.
Nesse negócio entram todas as dívidas que o Estado tem a receber? É essa empresa estatal que faz a cobrança aos devedores e devedoras?
Não! O que o Estado e os municípios têm a receber, continuará sendo cobrado e arrecadado do mesmo modo, pelos Estados e municípios. Nesse negócio só entra a parte boa, ou seja, aquelas dívidas que já foram negociadas, parceladas e estão sendo pagas. E se por acaso, houver algum problema, essas dívidas serão substituídas por outras do mesmo tipo e de igual valor.
Veja o caminho do dinheiro?
Quando os/as contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) pagam suas dívidas parceladas, nos bancos, com juros e multas, esse dinheiro vai para uma conta vinculada controlada exclusivamente pelo investidor (banco). E daí é distribuído para o banco (investidor), para a empresa e para o município ou Estado.
Se esse projeto for aprovado, a União vai montar esse esquema também.
VEJA O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM O MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE!
No caso da PBH Ativos, empresa criada pelo município de Belo Horizonte, o prejuízo em pouco mais de 03 anos já é de quase 70 milhões.
O BTG Pactual repassou para a empresa PBH Ativos 231 milhões 654 mil. Ela repassou para o município de Belo Horizonte 200 milhões. O município ficou devendo ao BTG Pactual cerca de 800 milhões. Isso mesmo! Recebeu 200 e ficou devendo 800. E a empresa embolsou mais de 31 milhões.
Nesse período, abril de 2014 a junho de 2017, a arrecadação foi de 531.447.097,13; mas só entraram nos cofres do município 462.162.225,77. O prejuízo foi de 69.284.871,36. E o BTG Pactual recebeu 259.962.952,93. Ou seja, 03 anos depois o banco recebeu bem mais do que repassou para a empresa estatal e ainda tem rios de dinheiro a receber.
Na prática estão sequestrando o dinheiro correspondente aos juros e multas pagas pelos/pelas contribuintes! E sem direito a resgate e a exercer o controle sobre a arrecadação pública.
Esse esquema ilegal, fere toda a legislação brasileira e tem sido questionado. Mas, se não houver uma conscientização da população sobre o mesmo, os/as parlamentares, de acordo com seus interesses ou pressionados por prefeitos e governadores vão aprovar o PLP 459/2017 na Câmara dos Deputados. A Auditoria Cidadã da Dívida está fazendo uma campanha, explicando de forma detalhada esse esquema. Veja panfleto detalhado em: https://goo.gl/FuBmPd.
E está denunciando os traidores e traidoras (senadores e senadoras que, mesmo alertados/alertadas pela Auditoria Cidadã da Dívida, votaram a favor desse esquema no Senado). Veja quem traiu em: https://goo.gl/s8XKSJ
Impactos do ajuste fiscal sobre a vida das mulheres
Além dos impactos colocados ao longo do texto, gostaria de ressaltar o seguinte:
Todos e todas sabem como é a vida das mulheres (maioria da população brasileira) em relação às condições domésticas, de trabalho, segurança, educação, lazer e saúde para si e suas famílias.
Sabem, também, que diante de crises, as mulheres são as primeiras a serem demitidas e a terem suas condições de trabalho e salário ainda mais precarizadas.
E mais, que são as mulheres que, de um modo geral, seguram a barra diante dos problemas e dificuldades que atingem as famílias. Que muitas, inclusive, são arrimas ou chefes de família.
Ou seja, além do desemprego e arrocho salarial, o que se vislumbra é uma piora das condições de vida da população. É o aumento da violência doméstica, social, estatal, com a falta de serviços públicos de saúde, educação, segurança, previdência e assistência social, já drasticamente reduzidas.
Diante de tudo isso, reforçamos que, neste 08 de março e em todos os dias do ano devemos defender a dignidade e a vida.
E que para se ter vida com dignidade é urgente e necessário compreender e dizer não à dívida!
Exigir auditoria da dívida pública! Que sejam pagas apenas as dívidas constituídas e mantidas de forma legal ao longo do tempo.
E mais, que vida digna para todos/todas só será possível com o povo na rua, lutando por seus direitos e fazendo a Revolução Brasileira.